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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Bartolomeu Cid dos Santos





Detalhe do trabalho de Bartolomeu Cid na estação de Entre Campos do Metro de Lisboa, 1993, Técnica mista























Ode Marítima VI, Bartolomeu Cid, 1988; Fotogravação e águatinta, 77 x 60 cm





  Começo este blogue por falar de um artista, mestre na área da gravura, que admiro muito. Tive a oportunidade de pesquisar sobre ele devido a um trabalho teórico acerca de Fernando Pessoa e descobri gravuras muito boas. É fácil de ver gravuras dele ao vivo em Lisboa, há algumas na Casa Fernando Pessoa e, superam de longe a qualidade das impressões de revista, por melhores que sejam.

   Bartolomeu Cid dos Santos nasceu em Lisboa a 24 de Agosto de 1931 numa família de notáveis tradições artísticas (era neto de Reinaldo dos Santos, pessoa que muito o influenciou). O seu talento manifestou-se precocemente, ganhando ainda criança, um concurso de desenho organizado pelo diário “O Século”.
Frequentou a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa de 1950 a 1956 e onde, pertenceu a uma geração que profundamente alteraria o panorama das artes plásticas em Portugal, participando nomeadamente nas Exposições Gerais de Artes Plásticas em 1951, 1953, 1955 e 1956. Nesta época foi também membro do MUD juvenil dos anos 50, onde entrou pela mão do seu particular amigo, o pintor José Dias Coelho. Militante do Partido Comunista Português, participou em todas as Bienais da Festa do «Avante!».
A sua aprendizagem em Lisboa foi, como se sabe, dentro da sociedade fechada da ditadura de Salazar em que, as glórias do passado marítimo eram invocadas para justificar um colonialismo medíocre. Época em que as inquisições políticas foram transpostas do fundamentalismo religioso que teria criado os “autos-da-fé”, que queimavam pessoas vivas no coração de Lisboa no século XVIII (as suas gravuras dos bispos derivam dessa experiência).
Bartolomeu, depois de acabar o curso, decidiu sair do país, como modo de escapar à desertificação cultural opressiva que havia no Portugal fascista. Como alguém disse: “O que não era permitido era proibido”, ideias incluído. Teve então a intenção de estudar em Paris porque veio de um meio de cultura francesa. Mas, ao comprar um livro intitulado “Charmes de Londres” com texto de Jacques Prévert e com fotografias do suíço Isis, impressionou-se tanto que em vez de ir para Paris que conhecia desde 1946, foi para Londres, uma cidade totalmente nova para ele.
Foi aceite na Slade School com alguns desenhos e aguarelas e, depois de chegar à Slade foi entrevistado por William Coldstream, um professor da Slade que, mais tarde lhe confessou que não tinha entendido nada do seu inglês; Bartolomeu também não. Ou seja, o seu futuro em Inglaterra foi ditado por duas pessoas que não se entendiam uma à outra…
Bartolomeu relata que o ambiente em que se integrou nos dois anos seguintes na Slade foram totalmente diferente daqueles que passou em Lisboa na ESBAL. Os primeiros três meses foram tão difíceis como emocionantes, por um lado teve que se adaptar a um ambiente onde o discurso era livre, os professores não eram inimigos mas sim, estavam lá para ajudar, e todos podiam expressar os seus pensamentos sem se arriscarem a ir para a prisão. Viu também uma visão muito puritana do desenho, que era totalmente diferente da de Lisboa, onde os estudantes ainda estavam totalmente dependentes do desenho e da pintura do antigo. Só para se ter noção, nessa altura a Escola de Belas-Artes de Lisboa nem biblioteca tinha, o que junto a um ambiente onde a discussão não era encorajada, contrastava totalmente com a avançada Slade.
Bartolomeu, confundido com aquela visão do desenho, começou a desenhar a partir do modelo e a adicionar depois pontos e cruzes, que, como ele admite, deviam ter sido parte da estrutura inicial. William Townsend, homem muito perceptivo, foi falar com ele e disse que o ia apresentar a Anthony Gross, que segundo as palavras dele, “era um gravador (“etcher”) e um europeu”. Bartolomeu, segundo relata, nem sabia o que a palavra “etcher” queria dizer, mas quando percebeu do que se tratava, ficou fascinado com as potencialidades da aguatinta com os seus negros profundos e os seus belos tons médios.
Em retrospectiva, compreendeu que as fotografias de Isis que o tinham impressionado tanto em 1955, poderiam ser traduzidas em impressões de gravura, e que a sua maneira de ver as coisas não totalmente diferente da sua.
Para o artista, estes tempos foram muito entusiasmantes, quando teve oportunidade de descobrir uma cidade ainda muito marcada pela guerra. Havia ruínas por todo o lado, o tráfego era mínimo e os prédios estavam cobertos de um negro que contrastava com a pedra branca, nos sítios onde existisse. Ficou fascinado pelo contorno dos sinais do caminho-de-ferro contra o céu cinzento, com lugares como a Battersea Power Station à noite, com as suas luzes brilhantes, o fumo a sair das chaminés e, acima de tudo, os barulhos terríficos e vibrantes. Mas, ao mesmo tempo, o seu lugar de origem, Lisboa, uma cidade latina de carácter mediterrânico, muitas vezes envolvida por nébulas luminosas de tarde, que lhe recordavam Veneza, fizeram-no olhar introspectivamente para dentro de um mundo mais privado, metafísico, dominado pela luz, sombra e silêncio.
Estas duas aproximações paralelamente e aparentemente contraditórias, ficariam para sempre, desde ai, presentes no seu trabalho.
Nesta mesma escola londrina viria a ser professor, de 1961 a 1996, no Departamento de Gravura, tendo sido igualmente artista visitante em numerosos estabelecimentos da Grã-Bretanha.
Foi ainda professor visitante da Universidade de Wisconsin, em Madison em 1969 e 1980, na Konstkollan Umea, Suécia, em 1977 e 1978, no National College of Art em Lahore, Paquistão, em 1986 e 1987, e na Academia de Artes Visuais de Macau em muitas ocasiões.
Realizou a sua primeira exposição individual em 1959, na Sociedade Nacional de Belas Artes em Lisboa. Desde então expôs individualmente 82 vezes.
Bartolomeu faleceu recentemente este ano, em 21 de Maio de 2008, sendo uma grande perda para o panorama artístico do país.


Referências bibliográficas:
BENSON, Michael; MACEDO, Helder; SANTOS, Bartolomeu Cid; Bartolomeu Cid 45 Years of Printmaking 1956-2001; The London Institute; London, 2001

SOUSA, Rocha de; Bartolomeu Cid: Gravura; Escola Superior de Belas – Artes de Lisboa; Lisboa, 1978










"O Poeta Álvaro de Campos", Bartolomeu Cid, 1984; Fotogravação e águatinta, 56 x 40 cm

1 comentário:

Unknown disse...

Um grande artista, tem trabalhos muito bonitos e interessantes, óptima escolha para iniciar o blog.
Parabéns
Pipas